sábado, 30 de janeiro de 2010

2. Via férrea


Ainda em direção ao ponto de partida do Caminho francês para Santiago de Compostela, contemplo uma paisagem que mescla um pouco de verde fosco das oliveiras, montanhas de terra clara, e uma coleção de horizontes sem fim.
Fico imaginando muitas de coisas que estarei vivendo e tudo me parece ficção. Há poucos minutos fazia mais um de meus costumeiros controles de minha vida real através de meu telefone celular, e acabei me convencendo de qual tipo de peregrino estou me transformando.
Um peregrino, talvez moderno demais para tamanha carga histórica que esse caminho carrega, mas nem por isso menos entusiasmado.
Tanta empolgação parece estar presente nos vários quilogramas de minha mochila.
Durante a preparação, cansei de ouvir e ler sobre a necessidade de se diminuir ao máximo a carga a ser carregada. Desde o instante em que cogitei essa aventura, tive consciência de que embora não tivesse o menor indicador de sedentarismo, sabia ser dono de alguns pontos frágeis nas articulações e tendões. Por isso mesmo, sabia da prioridade para selecionar o essencial do essencial visando me poupar fisicamente.
Num determinado momento, cheguei a concluir de que tinha realmente conseguido atingir o equilíbrio representado por uma mochila leve, sem a percepção de estar deixando objetos essenciais.
Mas que nada! Quando vinha para a estação Atocha em Madrid, um pouco apressado, mas estrategicamente orientado e conduzido por um amigo de última hora e fundamental, o espanhol Pedro, percebi o quanto havia ultrapassado o limite anteriormente planejado. Minha mochila tinha um pouco mais de quatorze quilos, acreditem!
Não tenho dúvidas de que retirarei várias coisas de minha carga, mas pergunto se não poderia já ter feito essa racionalização antes de tomar o trem.
Penso, enquanto admiro a paisagem de fim de tarde. Penso, enquanto ouço a música clássica num fone de ouvido, e concluo que a melhor lição aprendida é mesmo aquela que foi vivida...
Tranqüilizo-me com a conclusão de que se estivesse com a carga leve, levaria por muito tempo a percepção de falta de algo, que mesmo sem importância, me pareceria essencial somente por sua ausência.
Por isso já sei o que farei nos próximos dias: Desfrutarei com prazer o fato de ter sido, embora criterioso, ainda exagerado na seleção das coisas que carregarei e, quando o peso começar a incomodar, juntarei tudo o que puder separar do estritamente necessário, e seguirei em frente, depois de despachar o “exagero” para algum lugar em Santiago.
Pra que sofrer por antecedência, não é mesmo?

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