segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

7. Santa Maria de Eunate



Dormi razoavelmente bem, e nossa saída de Pamplona ocorreu sem chuva.
Logo cedo, o assunto foi o relacionamento entre casais. Como é difícil compreendê-los!
Entre nós, há um casal de jovens portugueses que chama a nossa atenção. Alda e Eurico são realmente bem jovens. Ela já morou no Brasil.
Parecem ser bem diferentes um do outro, e é difícil imaginar como podem estar juntos. Pois é, mas estão.
Ela parece gostar de controlar as coisas, aliás como boa parte das mulheres. E ele, apesar de não parecer gostar muito do contato com outras pessoas, é simpático na interação direta.
O que tomou bom tempo da conversa desse início de manhã, foi a tentativa de entender as características das pessoas, de modo que possam viver um relacionamento a dois.
Nossa conclusão alcançada em consenso após muita discordância indicou a constante necessidade de haver uma convivência viva, com discussão, com intensidade; algo nada fácil, mas essencial.
Porém, hoje minha intenção principal é falar sobre outra coisa, com a qual convivi durante boa parte do dia, ou seja: A DOR.
Meu leitor nem pode sequer imaginar o que é carregar mais de dez quilos nas costas por vinte e sete quilômetros num único dia.
Subindo montanhas, olhando para trás e vendo as cidades se distanciando aos poucos até desaparecerem totalmente.
Descer caminhos cheios de pedras, como fizemos no Monte do Perdão. Sentir dor nos ombros e descobrir casualmente que um simples aperto nas alças mochila já pode resolver um pouco a situação, pelo menos por algum tempo.
Parece incrível, mas tive que andar mais de três dias pra perceber que um simples afrouxamento nas alças da mochila pode afetar as costas, e que um pequeno deslocamento do centro de massa do conjunto formado pelo corpo e a mochila sobrecarrega e destrói os tendões dos pés. Pois é. Descobri isso na prática.
Descobri também um tipo de curativo (chamado aqui de “COMPEED”) que se transforma numa segunda pele e esconde as bolhas.
Inventei, também, alguns mecanismos de controle para esquecer das minhas dores, e quando tudo parecia mesmo estar sob total controle, voltava a senti-las com louca intensidade.
Mas o mais interessante mesmo era o ritual de chegada nos albergues.
Carimbo na credencial, definição da cama beliche, ducha, secar o corpo com pano absorvente e fraldas de tecido (que saudades de minha grande toalha azul!), lavar roupas, e durante todo esse tempo, pensar e imaginar as aventuras que estão por vir, e experimentar apaixonadamente algumas imagens e experiências que uma viagem dessas pode nos proporcionar.
Após vinte e três quilômetros, entramos num acesso que nos levou a um trecho do Caminho Aragones em direção a Santiago de Compostela. Esse caminho que se inicia em outra parte da França, em Puerto Somport a 1600 metros de altitude, se junta ao Caminho Francês em Puente la Reina, nosso destino de hoje.
O motivo principal da passagem por esse trecho, além é claro de poder citar aqui que também passei pelo Caminho Aragones, foi poder conhecer uma eremita que no passado foi possessão dos templários. Santa Maria de Eunate é o nome de uma Santa cuja imagem muito delicada apresenta uma virgem com seu filho mantido em seu colo bem à frente.
Cores vivas dos mantos em vermelho e azul, olhar firme para frente em um altar simples.
A arquitetura octogonal é típica dos templários. Telhado romano, tudo em pedra, com um crucifixo pequeno e praticamente simbólico no canto esquerdo do altar.
De uma porta fechada à direita, vinha uma música suave. Depositei minha mochila sobre um banco rústico de madeira, e após orar por alguns momentos, iniciei um relaxamento que me fez cair num sono leve sobre meus próprios braços.
Na saída, demos uma volta completa naquela pequena, mas bela igreja, observando as pedras que a mantém, por tantos séculos de fé e oração.
Quando ainda estávamos dentro dela, percebemos que a energia do lugar era percebida de forma realmente intensa e singular.
E são detalhes como esse que, independentemente de qualquer dor, nos levam à frente pelo nosso Caminho.

2 comentários:

  1. Sou um seguidor de blogs sobre o caminho... estou voltando agora dia 1/4/11 para fazer a ultima etapa do caminho que comecei em 2001 em vezelay na França.
    Apenas complementando os comentarios do Victor, Eunate é uma plavra Basca, "Eun" significa"cem e "ate" significa portas... é uma alusao ao "templo das 100 portas" que é esse da foto. A imagem da Virgem que da nome ao templo e muito antiga, data da epoca do templo. Li muitas hipotese sobre esse templo, que internamente procura reproduzir o santo sepuldor de Jerusalem, mas parece que foi um tempo da Ordem dos cavaleiros de San Juan e portanto nao era um templo da ordem dos templarios, mas posterior a eles. mas e um templo muito peculiar, sem duvida.
    Aproveitando tambem, um comentario que muita gente ano sabe: A rota que vem de SOMPORT ( o caminho aragones) passa bem perto do aeroporto de Pamplona... Para quem tem pouco tempo, é uma ideia começar direto do aeroporto e ir para Puente de la reina pelo caminho aragones. Eu como parei meu ulrimo trecho em pamplona vou fazer isso a partir do dia 1/4.

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  2. Jorge
    Muito bom seu comentário. Super obrigado e Buen camino!
    Planejo voltar também. Acho que um bom peregrino sempre acaba voltando!

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