segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

14. Santo Domingo de la Calzada



Acordei mais cedo do que precisaria, e meus pensamentos eram sobre as vantagens e desvantagens das fugas para dormir em pequenos, mas confortáveis, hotéis em detrimento dos repletos, porém alegres, albergues.
Estando isolado. Sei que perco o contato com as pessoas, e para aqueles que gostam de falar, escutar, trocar experiências, rir, ficar sério, comer juntos; admito que a perda é deveras grande.
Não vou dizer que em alguns dias não irei novamente buscar um hotelzinho para um pouco mais de conforto, mas tenho certeza de que logo depois voltarei ao convívio das pessoas nos albergues.
Mas, conversas a parte, saí logo cedo, antes das oito horas, e fomos tomar o café energético de todas as manhãs.
Estava com minhas botas, pois preciso estar preparado para os dias de chuva, que conforme as previsões, logo virão.
Fui andando bem lentamente e sentindo bastante o contato do calçado com a sensível pele de meus pés, mas segui adiante. Chegando aos sete ou oito quilômetros, num povoado chamado Azofra, calcei as papetes com meias novamente. A necessidade de seguir era maior que a minha lógica preventiva.
Seguimos viagem por um campo aberto de vista interminável e muitos vinhedos.
Estou na região de la Rioja, “roubando” uvas e curtindo a paisagem. E aqui entre nós: isso não tem preço.
As papetes poupam meus tendões, mas os pés sentem os vinte e dois quilômetros assim mesmo.
Chegamos a Santo Domingo de la Calzada num domingo, e por isso nada estava aberto. Que pena!
Vi alguns monumentos, muralhas, edificações bem antigas, e a tarde transcorreu um pouco tranqüila demais naquela paisagem bucólica.
O lugarejo possui muitas histórias, e um milagre explica o motivo de haver algo como uma gaiola com um casal de galo e galinha brancos dentro da igreja.
No século XIV, um jovem chamado Hugonell passava pela cidade com seus pais. Como não correspondeu ao amor de uma jovem, esta o incriminou, e ele foi condenado à forca. Como não morreu por milagre de Santo Domingo de la Calzada, seus pais foram ao juiz da cidade e pediram sua libertação.
O juiz, incrédulo, disse que se o rapaz estivesse vivo, o frango que estava servido à mesa também estaria. Nesse momento, a ave se moveu do prato e saiu caminhando.
O jovem foi então libertado, e o casal de aves faz companhia aos peregrinos durante todo o ano.
Um detalhe interessante, é que durante a missa em que eu participava, o galo resolveu cacarejar bem alto justamente no momento das leituras. Embora os peregrinos estrangeiros esboçassem um sorriso, os fiéis locais seguiram com o ritual como se aquele som fizesse parte da paisagem. E na verdade, fazia.
Após o jantar, conheci um peregrino diferente. Um frade alemão que veio andando desde seu país. Levou sete dias somente pra ir de Lourdes até St. Jean Pied Port por causa das péssimas condições climáticas daquela região.
Estou falando bastante em alemão, e isso é muito bom. Amanhã vou pra Belorado, e logo cedo o dia promete muitas novidades. Iremos tomar café da manhã em Grañon, um lugar que inspira uma certa magia. Os guias falam que quem pernoita lá, dorme dentro da igreja, e à noite há um ritual religioso imperdível. Estou muito curioso!
Hoje, me hospedei num albergue bastante antigo. Sinto-me respirando ar de duzentos anos atrás. Penduro minhas roupas num varal rudimentar, e a lua me observa curiosa. Indefeso, sob a beleza de tanta luz, finjo desnecessária indiferença.
Estou no mesmo quarto que o casal de jovens portugueses.
Acho que eles querem dormir, e eu também. Boa noite!

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