terça-feira, 19 de janeiro de 2010
13. Nágeras
Quando acordei e olhei para meus pés, levei um tremendo susto. Estavam inchados, os tornozelos, os tendões, e achei que teria muitos problemas para iniciar a próxima etapa. Bom, mas antes de qualquer tentativa, tive que seguir todo o ritual diário do “monta mochila”.
Depois que comecei a usar meu isolante inflável sobre as camas, nem sempre tão limpas, dos albergue, minha vida melhorou muito; pois meu saco de dormir é muito quente e poder usá-lo como um simples cobertor equilibrou de vez a temperatura. É outono, e as noites já não são tão frias.
Por isso mesmo, o trabalhinho adicional que tenho todas as manhãs para enrolá-lo e guardá-lo, compensa.
Guardo minhas coisas com cuidado, despeço-me dos amigos de Málaga (Guilhermo e Isabel), e vou à luta, mesmo sem saber se aguentaria vinte e sete quilômetros até Nágeras.
O caminho seria bem plano, mas meu nível de resistência era ainda uma incógnita.
Logroño bem que poderia ser melhor explorada por mais um dia pelo menos, mas sentia necessidade de continuar, e sendo assim, segui em frente.
As botas foram logo trocadas pelas papetes e tornozeleiras e o resultado foi surpreendente.
Andei muito bem, e nos trechos de percurso onde estive só, novamente e como sempre, pensei e refleti muito sobre coisas de minha vida.
Deveríamos fazer isso sempre, mas pena que não valorizamos o tempo que investimos nessas reflexões aparentemente descompromissadas.
Desde Puente la Reina vinha caminhando com um cajado pequeno, e conforme já contei, acabei esquecendo-o no caminho.
Não conseguia me lembrar o nome da mulher que me atendeu, mas hoje cedo com a cabeça mais leve, consegui me lembrar. Ela se chama Graça e é filha de uma famosa senhora do Caminho, a Dona Feliza, já falecida.
Hoje pela manhã, ganhei outro cajado de um peregrino simpático e falante chamado Nino, que também nos deu bolachas, maçãs, e avelãs, como uma espécie de talismã.
Utilizei esse novo artefato de apoio durante todo o dia, mas ao final da caminhada senti que ele não era meu, e assim o deixei também pelo Caminho. Mas dessa vez, propositalmente.
Sobre o meu cajado? Bem, sei que ainda hei de encontrá-lo.
Mas voltando às reflexões, tenho sentido a sensação de que estou numa fase de grande evolução. Esse processo tem sido tão rápido que nem sei o quanto. Enquanto ando, tudo vem à minha mente como um vídeo-tape, e consigo ver novamente tudo o que me aconteceu nos últimos meses com grande nível de detalhes.
Hoje, andei um pouco com minha agenda eletrônica tocando músicas que funcionavam como uma trilha sonora enquanto eu caminhava. Músicas lentas que acompanhavam meus pensamentos, me fazendo lembrar dessas diversas coisas. Coisas que foram vividas, e sei que algumas delas nunca mais serão revividas, porém nunca serão esquecidas.
Isso é algo interessante, mas muito difícil em nossas vidas. Muitas vezes temos que abrir mão de fases inteiras de nossa vida para que ela, como um todo, tenha certo sentido.
A etapa de hoje foi extremamente extensa. Mais de trinta quilômetros, que acabaram incluindo um erro de trajeto que nos custou mais de dois quilômetros, quando as pernas já não respondiam bem.
Nossos pés não nos perdoaram.
Ao chegarmos, fugi discretamente para um hostal aqui em Nágeras. Continuo comendo muito bem, tomando vinho com um prazer acentuado, e nesta data completei duzentos quilômetros já vencidos. Quem diria!
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