sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
17. Fim de mundo
Quando saí pela manhã, tive a sensação de estar indo rumo ao fim do mundo. Logo no início, já me disseram que San Juan de Ortega não possuia água quente para os banhos, e que o caminho incluía ainda uma subida bem considerável.
Pela primeira vez pensei na possibilidade de abdicar do privilégio de tomar o banho diário do peregrino. A etapa previa vinte e quatro longos quilômetros e, após reabastecimento e um descanso rápidos, partimos.
A temperatura foi baixando sensivelmente, e ao entrarmos num bosque de pinheiros, começamos a avaliar um prolongamento da jornada em mais seis quilômetros para chegarmos a um outro povoado que, quem sabe, poderia ter a tão desejada água quente, e com a vantagem adicional de estar mais próxima de Burgos.
Chegamos a San Juan de Ortega e pudemos constatar a beleza singular do Monastério. Há um mausoléu do Santo que dá nome ao lugar, e um local extremamente especial onde ocorre o que se conhece como “o milagre do equinócio”.
No fim das tardes ensolaradas da primavera, um raio de sol entra por uma janela específica, e reflete seguindo sequencialmente por uma série de pequenas esculturas que descrevem visualmente a cena da Anunciação do Senhor.
Não foi possível pela época do ano e pelo clima, presenciar o tal milagre. Mas adoramos ter visto tudo por lá. Os sinos, as paredes, e o piso rústico nos pareceram obras de arte especialmente raras.
Depois dessa dose de energia, caminhar mais seis quilômetros foi muito mais delicioso do que cansativo.
Caminhamos por um terreno plano com vista privilegiada do horizonte. A lua de fim de tarde era imensa, e já com meu novo e definitivo cajado, certamente abençoado por San Juan de Ortega, me senti apto a continuar em frente rumo a Atapuerca.
A cidadezinha, ou melhor, o pequeno povoado, é definitivamente pequeno, e acabou ficando conhecido por resultados surpreendentes de explorações arqueológicas no local. Para nós era claramente um lugar com nada de nada. Deveria ser incrível viver num lugar daqueles.
Quando não se tem nada para fazer, fica tudo muito estranho; principalmente para os inquietos como nós, que não deixam um só segundo livre de alguma ação ou atividade. O ócio do pensamento é algo novo, e só vivendo momentos assim é que percebemos o quanto desperdiçamos não deixando o cérebro livre de vez em quando, somente para variar.
Nessas horas, ou mais realisticamente nesse segundo, a criatividade aflora, e algumas coisas acabam ficando mais cristalinas, e mais compreensíveis em nossa mente. Esse é o motivo principal da minha meta de aprender mais sobre as culturas orientais. É notório que esses povos desenvolveram esse conhecimento muito bem.
Para terminar esse dia intenso, tomei uma quente sopa de alho, literalmente saborosa, com bastante pão. Nada mais era necessário.
Dormi uma noite de príncipe numa cama superior de um beliche num albergue muito simples e singelo, aliás o único do local. Conforme pudemos saber, no passado, o lugar foi uma estrebaria onde os cavalos dos viajantes descansavam após longas cavalgadas.
Estou escrevendo quando já é final de madrugada. Preciso terminar de arrumar minhas coisas e uma pergunta não quer calar: Será que choverá tanto quanto parece?
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