terça-feira, 12 de janeiro de 2010
20. Recomeço
Dentro de uma pequena banheira, cheia de água quente, com muita espuma, e com as pernas pra cima.
Pois é assim que fiquei para me recuperar da grande sova que a chuva forte e a ventania me impuseram. Peregrinar também é descansar.
Descansar para retomar, para reiniciar mais forte, e ir até o final. Chegar a Santiago de Compostela.
Logo pela manhã, fiquei bastante ansioso, pois queria chegar à “Cruz de Ferro”. É um ponto considerado sagrado do Caminho, e é o mais alto também.
Estava bem com os meus pés, mas minha ansiedade me fez forçar muito na subida até chegar logo ao meu primeiro destino dessa manhã.
Cheguei. Fotografei. Parei menos tempo que desejava naquele local místico, mas realizei meu objetivo da manhã. A cruz está sobre um monte enorme de pedras de todos os tamanhos. Cada peregrino joga uma pedra no monte, e isso tem, ou pelo menos deveria ter, um significado individual. Dizem que algumas pessoas levam pedras de seus países e as atiram ao monte. Outros carregam seus desejos ou pedidos simbolizados em sua pedra, e outros como eu, simplesmente obedecem ao ritual de forma muito simples e “descolada” de qualquer sentido especial. Joguei minha pedra e segui.
Infelizmente, pouco tempo depois, percebi as conseqüências do esforço intenso e desnecessário daquela subida acelerada. Meu tendão do pé esquerdo gemia de dor e não houve jeito. Tive que trocar novamente a bota pela papete.
Logo depois, parei num albergue, aliás a única coisa que pude ver em Manjarín.
Ganhei um café quente, algumas bolachas, e a atenção carinhosa da hospitaleira.
Esse “refúgio” é bastante isolado e seu hospitaleiro, o Sr. Tomás, é uma figura bem marcante do Caminho. Ele se intitula como “O último Templário”, e costuma promover algumas cerimônias obviamente “templárias” muito impressionantes. Além disso, ele é visto como uma pessoa que está ali para servir aos peregrinos, e o faz com muita simpatia.
Como tinha pressa em cumprir minha etapa desse dia, pus a papete sobre as meias, agradeci a atenção e a importante ajuda, e saí.
O problema é que a chuva era muito fria, e definitivamente me congelava.
Em poucos minutos, senti meus dedos enrijecidos e sem qualquer movimento. Incrível! Mas cambaleando e até caindo, fui em frente com meus pés encharcados de água gelada. Estava solitário todo o tempo, mas mesmo com muita dificuldade, cheguei a Molina Seca.
A passagem pelos povoados anteriores foi sofrida, mas minha entrada em Molina Seca compensou todas as dificuldades. O lugar de aparência medieval, colorido, era uma imagem linda aos meus olhos.
Ao caminhar pelas ruas, busquei imediatamente um restaurante. Precisava me aquecer com urgência com um caprichado e aquecido “Menu do Peregrino”.
Comi praticamente um caldeirão todo de uma sopa quente de lentilhas, e em seguida devorei duas bistecas de carne de porco com batatas fritas, e quase uma garrafa inteira de vinho da casa.
O calor voltou alegremente ao meu corpo, e nem preciso dizer que fiquei mais alegre que o normal, para não dizer meio bêbado mesmo. Mas precisava daquilo.
Para ajudar, o tempo melhorou sensivelmente, e como até mesmo o sol apareceu, resolvi não parar muito por ali e, após um encontro muito caloroso com um belo arco-íris, segui feliz a minha jornada.
Já havia caminhado vinte e cinco longos e difíceis quilômetros, mas decidi ir em frente na direção da cidade de Ponferrada, que ao longe me parecia bastante atrativa.
Nesse dia bati meu recorde diário. Ultrapassei a marca diária de trinta e três quilômetros.
Desnecessário descrever o estado de meus pés, e confesso que nesse momento, tudo doía muito. Mas estava deveras feliz.
Há pouco, olhei para as montanhas de onde vim, e elas estão brancas de neve. Mas já estou me cuidando, e amanhã será um novo dia.
Quero ir a Villafranca del Bierzo, e quem sabe participar de alguma “Queimada” por lá.
Alguém sabe o que é uma “Queimada”?
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