domingo, 17 de janeiro de 2010

15. Mudança de Paisagem


O dia começou com uma alvorada linda às nossas costas, enquanto caminhávamos pela manhã.
Aquela cor vermelha no céu indicava um sol lindo nascendo no topo da colina, com Santo Domingo de la Calzada ficando para trás.
Logo, as nuvens nos fizeram esquecer a possibilidade de um dia de sol como ontem, mas a busca agora era por um bom café da manhã em Grañon, que estaria há uns seis quilômetros à frente.
Quando chegamos, houve uma pequena decepção inicial, pois tudo parecia estar fechado sem motivo aparente. Após alguma insistência, conseguimos comprar alguns pães numa rústica padaria, mas faltava ainda um pouco de café com leite quente.
Nossa última chance seria tentar algo no tal albergue. E foi lá que encontramos um delicado tesouro.
Entramos e fomos otimamente recebidos pelo jovem casal de hospitaleiros. Ele era americano da Califórnia, e ela era austríaca. Na verdade ambos estavam improvisando como hospitaleiros, mas o faziam com desenvoltura.
Conforme entendi, eles se conheceram no Caminho e decidiram seguir suas vidas juntos. Esse é um exemplo de destino sendo definido durante a viagem.
Logo, estávamos saboreando nosso café e ao mesmo tempo admirando aquele lugar aconchegante com bons espaços para uma boa noite de sono, uma lareira para combater o frio, enfim, um lugar que valeria a pena ter sido escolhido para pernoite.
Para terminar o passeio naquele lugar verdadeiramente mágico, fizemos uma visita à igreja por uma passagem semi-secreta.
Ainda admirados, seguimos nossa caminhada.
Hoje agüentei oito quilômetros com minhas botas, mas tive que voltar às castigadas papetes. Coitadas! Já estão com as solas perfuradas pelas pedras do Caminho, mas continuam protegendo meus pés com afinco.
Meus companheiros e eu seguimos já conscientes de que depois de amanhã nos despediremos em Burgos. Ele, Francisco, 44, continuará até Astorga. Glória, 49, uma catalã meio mística, mas muito simples, voltará para Barcelona. E eu, vou encurtar um pouco minha caminhada indo de trem até Astorga, para retomar o Caminho em Rabanal del Camino. Farei isso para que possa estar em Santiago de Compostela no tempo certo de um bom compromisso que terei por lá.
A paisagem realmente mudou. Não há mais vinhos; agora é a vez da terra sendo preparada para o trigo.
Aquela cor “ocre” que vejo quando estou nas janelas dos aviões prevalece por toda parte.
Campos intermináveis que estimulam mais ainda o ato de pensar, de refletir.
Dessa vez me passou pela mente o relacionamento que nasce entre os peregrinos. Intenso às vezes, volúvel, rápido, descomprometido, e finalmente consciente de que por minutos, horas, ou dias, se fixou como parte viva do Caminho de cada um de nós. Vou lembrar sempre destes e de outros bons companheiros que ainda espero conhecer e encontrar até chegar a Santiago.
Estou em Belorado, num Albergue que se chama “Quatro cantones”, onde os hospitaleiros tem um tratamento especial com brasileiros. Amanhã estaremos passando por San Juan Ortega.
A fase número um de minha viagem está chegando ao seu final. Logo começarei uma segunda parte que deixará para traz um trecho aberto e não percorrido, para uma possível volta num futuro ainda incerto. Gosto de fazer isso nas minhas viagens. Sei que nem sempre podemos fazer tudo o que queremos, e por isso, me divirto muito quando, propositalmente, deixo pendências para uma possível volta no futuro. Quem sabe, não é mesmo?
Antes de terminar esse dia, não poderia deixar de citar um momento delicioso que tive com Alda e Eurico, os meus amigos portugueses.
Comprei um vinho, e eles fizeram uma massa saborosa, a qual pudemos desfrutar juntos com muita conversa leve e sem compromisso, mas que me fizeram muito bem.
Mais um pequeno presente que o Caminho generosamente me deu.

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