domingo, 31 de janeiro de 2010

Introdução


Começo dizendo que esta é uma história simples, mas real, e que descreve, talvez, uma de minhas maiores aventuras.
O meu Caminho de Santiago de Compostela.
Uma viagem que teve um destino definido, mas que me levou profundamente a uma outra viagem para dentro de mim mesmo, numa vivência singular de autoconhecimento.
Com o título: “Buscando Estrelas”, montei pedacinho por pedacinho esse diário escrito ao fim de cada etapa diária. Dentro de meu saco de dormir, e com uma lanterninha acesa presa à cabeça para não acordar meus companheiros de albergue, ou durante as pausas necessárias para um descanso merecido, ou mesmo em qualquer lugar onde pude rabiscar algo que queria eternizar de alguma forma.
Aqui, há um pouco do que se registrou em minha memória enquanto caminhava, e incluo também algumas imagens capturadas pelas lentes de minha máquina fotográfica digital, para que vejam um pouco do que meus olhos se deliciaram em ver.
Fui aprendendo muito a cada dia como todo peregrino, e gostaria de concluir essa introdução com um resumo das principais lições que se fixaram em minha mente e que, sem nenhuma pretensão exagerada, deveria ser considerado seriamente por qualquer leitor que se entusiasme, e um dia resolva buscar Santiago de Compostela.
Ao final, chamei essa lista de “10 Mandamentos do Peregrino”. Embora não acrescentem grandes novidades ao imenso banco de informações disponíveis sobre o Caminho, são ensinamentos realmente comprovados por mim mesmo, às vezes de forma dolorida, e em outras vezes de forma até divertida.

São estes os meus dez mandamentos:

1. Cada um faz o seu próprio Caminho!
Alguns fazem o Caminho de modo solitário, sem qualquer coisa que lembre a civilização. Dormem em albergues rústicos e sem nenhuma infraestrutura, quem sabe na busca de um isolamento que os levem a um maior aprofundamento em si mesmos.
Outros fazem em grupo, com carros de apoio, dormindo em hostais (pequenos e confortáveis hotéis), com telefones celulares, e conectados à internet.
Mas enfim, todos são peregrinos, e ao final acabam encontrando o que procuram, de um jeito ou de outro.
Por isso, não julgar é o primeiro mandamento.

2. Estude antes e detalhadamente cada etapa do percurso
Há tantos modos de saber para onde devemos ir a cada etapa, e é algo inaceitável iniciá-la a cada dia sem uma prévia e rápida avaliação. Onde será a próxima parada? Quais os pontos a serem vistos com mais atenção? Há fontes de água potável? Há lugares onde se pode comer? Os trechos são urbanos ou rurais? Há muitas subidas?

3. As Fontes são valiosas. Beba muita água e encha sempre o cantil
Com sede, não se aproveita a caminhada. Água é vida!

4. Cuide muito bem dos seus pés!
Seus pés serão fundamentais para o sucesso da empreitada, e por esse motivo, deverão ser tratados como jóias durante todo o tempo. Vi muita gente boa e forte desistindo por causa deles.

5. Em certos momentos, nada tem mais valor que uma seta amarela!
O Caminho é todo sinalizado com placas e setas amarelas. Às vezes, chegar ou não chegar depende exclusivamente da atenção do peregrino em encontrá-las indicando a direção certa.

6. Caso tenha dúvida em manter algo na mochila, tire-o imediatamente.
Por mínimo que seja, andar com qualquer peso acima do estritamente necessário é pura ignorância. A mochila é a parte móvel da casa do peregrino ao longo do Caminho, e vai às suas costas fazendo valer a força da gravidade. Por isso, quanto mais leve, melhor o aproveitamento de tudo o que se vive, e de tudo o que se vê.
A grande lição desse mandamento e que poderia ser aprendida por todos é: Precisamos de muito menos do que temos para viver!

7. Depois da Chuva vem o Sol. Depois do Sol vem a Chuva
Olhar a previsão do tempo à noite e pela manhã não é ruim. Mas é algo que tenta nos fazer acreditar sermos capazes de influenciar o que está totalmente fora de nosso controle: a natureza.
Por isso, o peregrino deve ter uma boa proteção (capa, agasalho, luvas, etc.), mas mais que isso, ele deve seguir em frente, pois um sol brilhante e maravilhoso o espera atrás de cada nuvem escura e passageira. É tudo uma questão de tempo e perseverança.

8. Mesmo que tenha memória fotográfica, fotografe!
Tem gente que diz: Minhas câmeras são os meus olhos, e meus álbuns são minhas lembranças.
Definitivamente, não concordo com isso. Não importa se a câmera é digital ou descartável. Fotos de uma aventura tão grandiosa como essa são registros que fazem parte da contrapartida do peregrino para com os seus entes queridos, muitas vezes impossibilitados de se empreender num desafio dessa dimensão. Mas que torcem pelo seu êxito, e merecem o prêmio de poder escutar as estórias engraçadas da viagem, vendo lindas fotografias, e com uma taça de um bom vinho nas mãos. Assim, também se sentem um pouco peregrinos.

9. Respeite os sinais que seu corpo dá!
Alguns se cuidam até demais, e outros são preguiçosos. Mas, alguns teimam em ultrapassar seus próprios limites. Esse mandamento é destinado a esses últimos, que se empolgam e acabam sendo obrigados a desistir antes do final, unicamente por não captar um sinal do corpo para um descanso necessário, ou mesmo para um ritmo mais lento e mais adequado.

10. Conheça sempre muitos peregrinos!
O grande ganho social da caminhada é conhecer pessoas de todas as partes do mundo, entrar em contato com todo o conhecimento e toda a sabedoria que elas trazem. Mesmo uma opção de caminho solitário não deve prescindir dessa experiência maravilhosa e que tanto nos pode ensinar.

Além desses aprendizados, vale ao peregrino saber um pouco sobre algumas coisas e objetos, que deverão estar na mochila. E por exclusão, os que não deverão estar.
Alguns são básicos e imprescindíveis. Outros são pelo menos muito úteis, e certamente serão usados durante o percurso. São eles:
1. Cremes hidratantes e pomadas para mãos e pés
2. Tornozeleira
3. Toalhas absorventes e/ou fraldas de pano
4. Lanterna de cabeça
5. Estojo (pequeno) de primeiros socorros (o conteúdo depende de cada um)
6. Três calças (daquelas próprias para Caminhada, que podem se transformar em bermudas), três camisetas. Três cuecas (ou calcinhas para as mulheres), três pares de meias grossas apropriadas para caminhadas, e dois pares de meias de tecido mais fino (use sempre a grossa sobre a fina), um par de botas (serão companheiras até se acabarem pelo uso), um par de tênis (ou papete), e uma jaqueta.
7. Se estiver frio, use muita proteção para mãos, cabeça, pés, enfim, tudo que ficar exposto.
8. Uma tesoura pequena, Band-aid (lá eles têm um tipo especial chamado COMPEED que protege as bolhas de forma inacreditável). Embora tenha comprado, não precisei, mas fui exceção.
9. Protetor solar para pele e labial
10. Capa de chuva, (calça e blusa) e uma só para a mochila.
11. Sacos plásticos
12. Pochete e um indispensável saco hermético para aquilo que realmente não pode molhar (documentos, etc.).
13. Celular. Sim! Isso mesmo, quem tiver condições deve levar um. Em algumas circunstâncias pode ajudar, e muito. (Muitos irão me criticar, mas quando isso acontecer, por favor, leiam o primeiro mandamento, logo acima).
14. Relógio
15. O cajado será um grande companheiro, mas encontre o seu durante a jornada.

Vale mencionar que algumas cantigas me fizeram companhia em vários momentos. Cantei muito quando estava sozinho, e mesmo quando caminhava com outros peregrinos. Música é sempre alimento da alma. Canções infantis, músicas populares, enfim, o que vier à cabeça enquanto segue em frente.
Enfim, espero que o leitor possa de algum modo especial, viajar comigo nesse relato, e que seu Caminho também seja sempre bom, como foi e ainda continua sendo o meu.

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