sábado, 2 de janeiro de 2010

30. Santiago de Compostela


Em meio a tantos turistas, eu era uma figura um pouco exótica andando ali naquela enorme Praça do Obradoiro.
Um italiano chegou a correr e se esforçar pra tomar uma fotografia minha com os trajes típicos do peregrino. A essa altura, além da mochila, o meu cajado tinha uma “calabaça” (cabaça) presa ao mesmo, uma peça obrigatória ganha de presente do hospitaleiro Nícolas, lá no Albergue Quatro Cantones em Belorado.
Além disso, eu ostentava com orgulho a minha “Vieira” (concha) benzida no povoado de Roncesvalles, e para terminar, e ainda o meu chapéu tipo “Indiana Jones turista” sobre minha cabeça.
Mas o melhor de tudo isso foi, sem dúvida, seguir todo o ritual da chegada: pegar o certificado de conclusão de minha peregrinação, a minha Compostelana, com meu nome escrito em latim; passar pela porta do Perdão; abraçar carinhosamente a imagem tão receptiva de Santiago; por os dedos e bater a cabeça repetidamente por três vezes sob o Pórtico da Glória; assistir a missa dos peregrinos; escutar o anúncio de minha chegada como representante brasileiro e peregrino que cumpriu o Caminho francês em direção a Santiago de Compostela; e finalmente, ver bem de perto a cerimônia do “botafumeiro”.
Embora cada um desses rituais tenha seu significado, vou propositalmente omitir a explicação dos mesmos aqui nesse diário.
Não se trata de desconsideração pelo leitor, mas sim uma provocação para que isso desperte sua curiosidade para uma pesquisa por conta própria. Pelo menos, prometo deixar ao final desse texto uma lista das fontes de informação que utilizei eu mesmo durante minha preparação.
Mas, principalmente, que essa pesquisa desperte a mesma energia que me motivou tempos atrás a planejar, me preparar, e percorrer esse Caminho tão transformador.
A essa altura, a melhor companhia que eu poderia ter, já eliminara minha percepção de solidão. E isso me instigou a comer mais “pulpo a galega”, a provar um pedaço da famosa torta de santiago com uma xícara do ótimo café espanhol. Agora era hora de comemorar.
No momento em que recebia minha “Compostelana”, fui perguntado sobre os motivos que me trouxeram até aqui. A resposta foi tripla e, ao mesmo tempo, simples. Motivos culturais, religiosos e espirituais. E essa é a pura verdade.
Se eu vim buscar algo, esse não foi o grande motivo. Mas confesso que levo de volta comigo algo muito especial. Levo a experiência que talvez nunca consiga transmitir inteiramente como gostaria. Porém, pelo menos tentarei contar e mostrar da melhor forma que puder, a riqueza de tudo isso que vi, vivenciei, e senti intensamente nesse quase um mês onde dei mais passos do que em qualquer outro mês da minha vida.
Pensei que essa experiência pudesse me levar a alguma decisão, mas desde o momento em que cheguei a St. Jean Pied Port, eu já estava em equilíbrio comigo mesmo, e totalmente mentalizado para buscar outras coisas, e meus sentidos puderam captar desde as belezas naturais, os sons dos pássaros, o sabor de uma gastronomia rica, o perfume das flores e das folhas, e o jeito simples das pessoas nas áreas rurais. Senti também o desgaste do esforço e a dor dos tendões inflamados, mas isso só serviu para valorizar ainda mais o cumprimento de cada uma das etapas.
Enfim, uma vivência tão intensa, que nem as minhas centenas de fotos e filmes, e nem o maior nível de detalhes de todas as minhas histórias, poderão transmitir.
Conheci muita gente, embora pudesse ter conhecido muitas mais. Mas, como já disse, o Caminho é algo único cuja decisão pessoal do peregrino o identificará de forma simplesmente singular.
Fiz escolhas a cada momento e, se errei em algumas das vezes, isso também lapidou o aprendizado que resultou do meu Caminho.
Acertei muito mais que errei. Desde o momento em que decidi que iria planejar fazê-lo, até este momento especial de documentação e registro.
Valeram as dicas de peregrinos veteranos, valeram os livros, valeu Paulo Coelho, valeram as viagens pela internet, e valeu muito viver isso tudo isso para poder contar.
Quisera eu pudesse também motivar outras pessoas a conhecer esse lugar tão bonito e especial, e viver também sua experiência peregrina.
E espero ainda, que toda essa intensidade, conteúdo e beleza, seja uma amostra real do verdadeiro Caminho que sigo por esse mundo, e que afinal, é a minha vida.

Sete de Novembro de um Ano Jacobeo.

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