quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
25. Portomarín
Acordei cedo somente pra não perder o costume, mas acabei adormecendo novamente e perdi a hora. Como pude perder a hora a essa altura?
Mas pensando bem, depois de tanto desgaste, por que precisaria ser tão cartesiano em relação ao horário se não tenho nenhuma reunião marcada? Se somente o generoso Caminho me espera, sem nenhuma cobrança, sem nenhuma expectativa em relação a mim?
Isso mesmo. O que importa é que me levantei, me arrumei, tomei um café da manhã de verdade que compensou a manhã de ontem, e fui em frente.
Logo, cruzei uma linha de trem e pude perceber que as paisagens seriam mais ricas. Em seguida, algo muito interessante ocorreu. Vi que um peregrino belga à minha frente fotografava uma pequena ponte. Concordei com ele quanto ao motivo justo da foto e preparei minha câmera e decidi também registrá-la. Foi então que apareceu um homem espanhol andando rápido; passou e nos ignorou, quase estragando a foto com sua presença insensível. Ambos os fotógrafos se entreolharam incrédulos.
Fiquei muito irritado com o tal caminhante.
Meu reflexo foi sair andando apressadamente atrás dele. Vi que ele se esforçava para não ser alcançado, mas eu acelerei, o ultrapassei, passando por ele, o cumprimentei:
_ Buenos dias!...
Ele me respondeu assim meio sem graça e ficou lá atrás, comendo minha poeira. E eu sumi ladeira a cima.
Cheguei ao topo da subida e me muito senti feliz ao vê-lo ofegante de cansaço lá embaixo sem nenhum peso nas costas, enquanto eu estava com minha mochila com mais de dez quilos.
Idiota!
Lógico, que me senti um grande idiota quando percebi o grau de risco a que me expus com aquele esforço totalmente desnecessário.
Por me deixar levar por um comportamento emocional, típico latino, corri o risco de lesionar meus tendões. Algo que poderia comprometer definitivamente o alcance de meu objetivo maior.
É. Fica a conclusão de que a obtenção de um nível mínimo de sabedoria exige um caminho muito mais longo que cem Caminhos de Santiago a pé. Ida e volta. Acredite, se quiser.
Bem, também não preciso ser tão rigoroso. Afinal, o dia foi bem agradável. Falei sozinho, cantei, fotografei bastante, e cheguei a uma cidadezinha muito simpática. A parte velha, ou melhor, antiga, foi submersa pelo Rio Miño (represado), e edificações históricas como a igreja de San Juan de Portomarín, foram reconstruídas integralmente na parte nova e alta, com todos os tijolos originais.
Após me hospedar, saí com o objetivo de conhecer um pouco mais sobre o lugar, e pude curtir plenamente um por do sol lindíssimo como há muito tempo não fazia. Depois, seguindo uma indicação de meu guia de bolso, fui comer um “pulpo a galega”, que nada mais era que polvo com batatas temperado à moda local. Uma delícia! Fiz questão de cumprimentar o Senhor Perez pela qualidade. Ele retribuiu tomando uma foto minha com cara feliz.
Ia me esquecendo de dizer que hoje passei pela sinalização de cem quilômetros até Santiago de Compostela, que registrei orgulhosamente. No meio da estrada, comprei castanhas assadas, e as comi com um prazer similar ao que sinto quando raspo com colher a polpa de coco verde lá no Brasil. É um prazer indescritível.
Nesse caso, acho que se tratava de vontade acumulada. Vi tantas castanhas pelo chão durante os últimos dias, que ao comê-las de verdade, decididamente, me lambuzei.
Paguei um Euro por um punhado de castanhas. Pagaria dez Euros, sem reclamar. E ainda seria barato.
Amanhã, chegarei a Palas de Rei. Que o tempo continue assim, E eu também.
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